Viver na ilha Graciosa é um privilégio acompanhado por um sem número de constrangimentos próprios do isolamento e da insularidade. O balanço deste diálogo entre a vida numa ilha com pouco mais de sessenta quilómetros quadrados e apenas cerca de quatro mil habitantes é quase sempre positivo.
A ilha encerra em si uma mística própria que atrai quem por aqui fixa o seu destino. A certeza de uma rotina sem grandes sobressaltos e de uma certa segurança, própria de todos saberem o que se passa em cada lugar, redobram o prazer da graciosidade das paisagens e de cada recanto que apreciamos em doses sempre maiores à medida que vamos redescobrindo o prazer de se ser graciosense.
O isolamento torna-nos mais capazes de lidar com as adversidades que o acompanham, seja porque as gentes vão sempre lutando por melhorar a sua proximidade com os restantes Açores, seja porque os hábitos antigos acumularam saberes que ditam sempre como agir perante essa singularidade de viver num pequeno pedaço de terra, no meio do Atlântico.
Essa forma de olhar para o horizonte sempre à procura de mais qualquer coisa que nos dê a esperança de um futuro com melhores condições também gera, em nós, uma eterna insatisfação. Muito por culpa de um importante sentimento de incapacidade, que sempre vai tomando conta da nossa forma de estar, por vezes damos conta de que não fizemos tudo quanto devíamos para conseguir alcançar algo que ambicionávamos. E isso consome-nos no inconformismo perante os acontecimentos que não nos favorecem.
Todo este turbilhão de energias contraditórias renasce a cada contrariedade e, lá partimos para mais uma luta pelo direito quase divino da ilha não poder ficar fora dos caminhos que entendemos ser de desenvolvimento.
É esta alegria de saborear cada particularidade da vida na ilha que, ao mesmo tempo, nos leva à indignação quando percebemos o quão dramático é dar conta que ainda passamos por situações que levam à repulsa das gentes que, novamente, sentem a injustiça de situações que não se podem aceitar nos tempos actuais.
Assim sucedeu na passada semana em que, mais uma vez, foram necessários demasiados dias de espera pela realização de uma autópsia. No caso em concreto foi uma semana, uma inteira semana de sofrimento para uma família à espera de uma deslocação de um médico legista que permitisse que se cumprissem as cerimónias fúnebres de quem partiu em inesperada hora.
Não foi a primeira vez, e obriga ao dever de lutarmos por outra forma de tratamento destas situações que, acreditemos, tenha sido a última!
Sejam quais forem as razões que levaram a que se tivesse de esperar uma semana por uma autópsia não podemos deixar de manifestar a nossa revolta pela crueldade que se impõe a quem é submetido ao prolongamento da sua dor para poder despedir-se do seu ente querido.
É esta mais uma contrariedade com a qual não nos conformamos, e que não restem dúvidas de que este não é um preço a pagar pelo privilégio de partilhar esta graciosa ilha com cada um dos seus habitantes.
Há certas questões que estão para lá do aceitável, e esta é certamente uma delas! A dignidade das pessoas assim o exige.