Há uma semana estive tentado a escrever sobre o 25 de Abril, assinalando a comemoração dos seus 40 anos. Estava então ao rubro a polémica da presença dos “militares de Abril” na sessão habitual da Assembleia da República. Entendi deixar arrefecer os ânimos.
Devo, à partida, fazer uma declaração de interesses.
Comungo totalmente do espírito do 25 de Abril. Sou admirador dos militares que genuinamente participaram num movimento que restituiu a liberdade aos portugueses. Sou dos que acham que o 25 de Abril abriu portas à Autonomia dos Açores, dando corpo ao que pensaram, e por que lutaram, muitos Açorianos.
Sou, também, dos que entendem que só a 25 de Novembro de 1975 se conseguiu recuperar o espírito inicial do Movimento dos Capitães. Só nessa altura se regressou ao caminho da razoabilidade, terminando com a apropriação do aparelho de Estado entretanto feita, ou tentada fazer, por parte de forças políticas de carácter extremista.
O respeito que tenho pela data não é, assim, compatível com posturas que julgo serem intolerantes e intoleráveis. Foi isso que me fez não abordar o tema há uma semana. A celebração dos 40 anos do 25 de Abril não devia ser “manchada” por atitudes de pessoas que até tiveram uma participação determinante nesse período da sociedade portuguesa. Mas as “manchas” mantiveram-se.
Desde logo, da parte de alguns dos chamados Capitães. Alguns dos que puseram mãos à obra e que arriscaram a sua pele. Numa primeira fase, por uma questão de natureza profissional, mas que acabou por adquirir uma motivação política generosa e de grande transcendência para o futuro de Portugal. São também alguns daqueles que, de forma esclarecida, se propuseram entregar o poder, em tempo oportuno, às forças civis. Como é normal em democracia.
Só que alguns desses Capitães, os que agora se envolveram na polémica, são os mesmos que há muito abandonaram o desprendimento inicial que marcou o Movimento. Provavelmente, são aqueles que se sentiram menos bem quando perderam responsabilidades políticas e as entregaram aos civis.
Entendem, agora, ser os intérpretes do que pensa o povo. Acham que o que os portugueses decidem em eleições não tem valor.
Embora estas legitimem quem governa e a forma como governa, os resultados são por eles esquecidos. “Decidiram” que o o povo deixou de querer o que pretendia no momento em que votou. E mais. Acham que as coisas, se não puderem ir a bem, irão a mal.
Na mesma linha esteve Mário Soares. Um símbolo da democracia portuguesa. Teve um papel fundamental na restituição do espírito inicial do 25 de Abril. Portugal deve-lhe isso. Sem qualquer margem para dúvidas. Mas agora, substituindo-se à voz do povo, acha que as eleições livres, pelas quais lutou, são letra morta. Acha que os portugueses decidiram mal. Porque não gosta da actuação do governo que saiu de eleições. E entende, também, que o caminho pode ser o do atropelo da democracia.
Tenho pena do que pensam. Porque foram pessoas importantes para a democracia que defendo. Porque lhes reconheço mérito, quer no 25 de Abril, quer no que se seguiu.
Infelizmente, os ânimos não arrefeceram. E as “manchas” ficaram.