Cuidar dos cuidadores – Opinião de Sofia Ribeiro

Estamos a envelhecer. Não no sentido lapalissiano, mas estatístico. A longevidade está a aumentar e as taxas de fertilidade têm vindo a diminuir. Assim, assistimos a um aumento mais rápido da proporção de população com mais de 80 anos do que em qualquer outra faixa etária, perspectivando-se que evolua dos 5,4% actuais para 12,7% em 2080. Se considerarmos o peso das pessoas na idade da reforma (+ de 65 anos) por comparação com o das pessoas de idade activa (entre os 15 e os 64), a estimativa é de passarmos de 29,3% para os 52,3% nesse período de tempo.

Face a estes números, a realidade é que não teremos capacidade económica para mantermos os mais idosos em regime de internato. Basta pensar no esforço que representa termos dois idosos num lar por cada pessoa com idade de estar a trabalhar, não considerando a probabilidade desta estar desempregada. Temos, inclusivamente no interesse do idoso, de evoluir no modo como lhe prestamos assistência e abordar seriamente técnicas de envelhecimento activo que adiem ao máximo a sua institucionalização, mantendo-o em casa, com a família. Implica criarmos outras condições para os seus cuidadores, em especial os informais, normalmente os familiares que, fora de um quadro profissional, lhes prestam assistência não remunerada.

Na forma actual como a nossa sociedade se encontra organizada, para a maior parte das famílias a eventualidade de um dos seus membros (regra geral, a mulher) abdicar de um emprego para ficar a cuidar de um idoso é incomportável. As famílias encontram-se desprotegidas, isoladas, porque não temos vindo a abordar o problema de forma comunitária.

Tenho vindo a defender, ao longo do meu mandato, a necessidade de reconhecermos que os cuidadores prestam um serviço complementar aos sistemas nacionais de saúde que deve ser reconhecido, impedindo, inclusivamente, o seu colapso. Para que não passemos de um conjunto de boas intenções, é fulcral que se crie um estatuto do cuidador informal que reconheça este papel como um serviço público de trabalho efectivo que garanta direitos laborais, de formação e de assistência social.

Ao cuidador, não só deve ser garantido o acesso à (in)formação para a exigente tarefa de cuidar de outrem com mobilidade reduzida ou com as várias limitações, associadas por norma ao avanço da idade, bem como o apoio emocional para esta actividade que coloca continuamente o prestador à prova em termos psicológicos, ao lidar com doenças como as demências, as oncológicas, as degenerativas, entre outras. Ao cuidador é absolutamente imprescindível que se garantam os mais fundamentais direitos sociais, tais como a assistência na sua saúde ou dos seus dependentes, ou o acesso à reforma sem penalização na pensão. Ao cuidador deve ser facultado o acesso e formação contínua a instrumentos de tele-assistência ou outras tecnologias de informação e comunicação, investindo numa actualização de competências que facilite um futuro regresso ao mercado de trabalho, não prejudicando possíveis processos de trabalho parcial à distância.

Não tenho qualquer dúvida de que este constitui um desafio social da maior importância, que condicionará o nosso futuro. Estando associado à mudança de mentalidades, quer da sociedade, quer dos agentes políticos, tem repercussões no mercado de trabalho como o conhecemos nos dias de hoje e implica uma abordagem multidisciplinar, que integre profissionais de saúde, psicólogos, legisladores e assistentes sociais, entre outros. São, por isso, de louvar todas as iniciativas que coloquem em cima da mesa este tema, tal como a conferência desta Sexta-Feira, em São Miguel, organizada pela Associação de Doentes de Dor Crónica dos Açores, que comemora o seu 12º aniversário. Está, por isto, de parabéns! Em duplicado.